Texto adaptado da obra de Charles Dickens
(narradores entram em cena
como se fossem uma trupe teatral, que chega em uma praça para contar uma
história)
Narrador 1
Marley estava morto, isso para
começar a história. Nesse ponto não resta a menor dúvida.
Narrador 2
O registro de seu sepultamento
foi assinado pelo padre, pelo ajudante, pelo coveiro e pelo carpidor-mor.
Narrador 3
Quem assinou
foi Scrooge: e o nome de Scrooge era uma garantia, um pilar da sociedade.
Narrador 4
E Scrooge,
sabia que ele estava morto?
Narrador 5
Claro que
sabia. Como poderia ser de outro modo? Scrooge e ele foram sócios durante sei
lá quantos anos. Scrooge era seu único testamenteiro, seu único administrador,
único mandatário, único legatário residual, seu único amigo e único carpidor.
Narrador 6
O fato de ter
mencionado o sepultamento de Marley nos leva mais uma vez ao ponto de partida.
Não resta a menor dúvida de que Marley estava morto.
Narrador 7
Esse ponto
deve ser entendido perfeitamente, do contrário, nada de esplêndido poderá sair
da história que vamos relatar aqui.
Narrador 1
Se não
estivéssemos de todo convencidos de que o pai de Hamlet havia morrido antes do
início da peça, o fato de ele querer dar uma caminhada sobre as muralhas de seu
próprio castelo numa noite de vento leste não teria nada de especial. Seria
como qualquer cavalheiro de meia idade que saísse no ímpeto, depois de
escurecer, num local um tanto ventoso para, literalmente, estarrecer a cabeça
frouxa do filho dele.
Narrador 2
Scrooge nunca
tirou o nome do velho Marley da tabuleta. Lá estava ele, anos depois, no alto
da porta do armazém: Scrooge e Marley.
Narrador 3
A firma era
conhecida pelo nome de Scrooge e Marley. Às vezes os novatos na área chamavam
Scrooge de Scrooge, às vezes de Marley, mas ele respondia aos dois nomes: para
ele dava tudo no mesmo.
(Enquanto descrevem Scrooge
vão vestindo a roupa em um dos narradores)
Narrador 4
Ah, mas
aquele Scrooge era um sujeito muito pão-duro!
Narrador 5
Aquele velho
era um verdadeiro poço de perfídia, sovinice, malandragem, oportunismo e
inveja!
Narrador 6
O frio que
havia dentro dele gelava sua velha fisionomia, pinçava-lhe o nariz pontudo,
engelhava seu rosto, enrijecia o passo, fazia seus olhos ficarem vermelhos,
tornava azuis os lábios finos e se manifestava, cortante, em sua voz áspera.
Narrador 7
Aonde quer
que ele fosse, sempre levava consigo sua própria temperatura gélida. Dia após
dia, o ano inteiro, congelava seu escritório, e no Natal não derretia nenhum
grau.
Narrador 1
Ninguém
jamais o interpelava na rua para dizer, com ar de agradável surpresa: “Meu
querido Scrooge, como você tem andado? Quando vai passar lá em casa para me
fazer uma visitinha?”
Narrador 2
Nunca um
mendigo lhe implorava um trocado, nunca uma criança lhe perguntava as horas,
nunca um homem ou uma mulher, em toda a vida dele, pedia a Scrooge que lhes
mostrasse o caminho para esse ou aquele lugar.
Narrador 4
Mas Scrooge
não dava a mínima! Era daquilo mesmo que gostava.
Narrador 3
Ir avançando
pelos caminhos populosos da vida mantendo à distância toda simpatia humana.
Scrooge era aquilo que os que entendem dessas coisas chamam “doido”.
Narrador 5
A porta do
escritório de Scrooge estava aberta para que ele pudesse ficar de olho em seu
ajudante, que, num minúsculo quartinho ao lado, um verdadeiro cubículo, copiava
cartas.
(Enquanto narra Bob e
Scrooge tomam seu lugar)
Sobrinha
Feliz Natal,
tio! Deus o proteja!
Scrooge
Ora!
Besteira!
Sobrinha
O Natal uma
besteira, tio? O senhor não pode estar falando sério!
Scrooge
Pois estou
sim! Ora, Feliz Natal!... Que direito você tem de estar feliz? Que razões você
me apresenta para estar feliz? Você é uma pobretona!
Sobrinha
Ora, tio! Que
direito o senhor tem de ser soturno, de ser melancólico? O senhor é um ricaço!
Scrooge
Ora!
Besteira!
Sobrinha
Não se
zangue, tio!
Scrooge
Como não vou
me zangar, se vivo num mundo de imbecis como este? Feliz Natal? Chega dessa
historia de Feliz Natal! O que é o Natal pra você senão uma oportunidade de
pagar suas contas sem dinheiro, uma oportunidade de ficar um ano mais velho e
nem uma hora mais rico?!! Se eu tivesse o poder de decidir, todo imbecil que
aparecesse dizendo Feliz Natal, seria fervido juntamente com seu próprio pudim
de Natal, para depois ser enterrado com um ramo de azevinho trespassando seu coração.
Seria ótimo!
Sobrinha
Tio!
Scrooge
Sobrinha!
Passe o Natal do jeito que achar melhor e me deixe passar o meu em paz.
Sobrinha
Passar o
Natal? Mas o senhor não passa Natal nenhum!
Scrooge
Pois então
deixe que eu esqueça o Natal! Grande bem que ele pode lhe fazer! Grande bem que
ele já lhe fez!
Sobrinha
Ora! Tio, o
Natal é uma época de alegria, uma época gentil, de perdão, de caridade e de
prazer: a única época que eu saiba, no longo calendário do ano, em que homens e
mulheres, de comum acordo, parecem abrir sem cautela seus corações fechados e
ver os menos favorecidos como verdadeiros companheiros de viagem, e não como
criaturas de outra raça dedicadas a outros trajetos. E embora o Natal jamais
tenha posto uma raspadinha de ouro ou de prata que fosse no meu bolso, estou
convencida de que ele me fez bem e que ainda está fazendo.Por tudo isso, Deus
abençoe o Natal!!
(Ajudante no cubículo
aplaude)
Scrooge
Você aí, se
eu voltar a ouvir algum barulhinho, fique sabendo que vai poder se distrair
muito no Natal, porque vai ficar sem emprego. (voltando-se para a sobrinha)
Sobrinha
Não se
zangue! Deixe para lá! Venha jantar conosco amanhã.
Scrooge
Sim... pode
esperar sentada.
Sobrinha
Mas, por quê?
Scrooge
Por que você
se casou?
Sobrinha
Porque me
apaixonei.
Scrooge
Porque se
apaixonou! (grunhiu
Scrooge) Ora! Passe bem.
Sobrinha
Mas tio,
antes de eu casar o senhor também nunca foi me visitar. Para que inventar essa
desculpa agora?
Scrooge
Passe bem.
Sobrinha
Não quero
nada do senhor. Não estou lhe pedindo nada! Por que não podemos ser amigos?
Scrooge
Passe bem!
Sobrinha
Sinto muito,
sinceramente, encontrá-lo indisposto desse jeito. Nunca entrei em nenhuma briga
com o senhor, mas quis fazer essa tentativa em homenagem ao Natal, e juro que
vou manter meu bom humor de Natal até o fim. De modo que Feliz Natal, tio!
Scrooge
Passe bem!
Sobrinha
E próspero
Ano Novo!
Scrooge
Passe bem!
(Sobrinha sai, antes
cumprimenta o ajudante)
Scrooge
Aquele é
outro. Meu ajudante, ganhando quinze shillings por semana, com mulher e filhos,
falando em Feliz Natal. Ainda vou parar no hospício!
(Entram duas pessoas)
Scrooge
Oh!
Fregueses... deixe que eu atendo Sr. Cratchit. O que desejam os dois
cavalheiros?
Cavalheiro 1
Scrooge e
Marley, penso eu, com quem tenho o prazer de estar falando, com o senhor
Scrooge ou com o senhor Marley?
Scrooge
O senhor
Marley morreu há sete anos. Morreu há sete anos, exatamente nesta data. Bem, o
que desejam os dois cavalheiros?
Cavalheiro 1
Estamos
solicitando doações para os indigentes e desvalidos.
Scrooge
Para quem?
Cavalheiro 2
Pedimos para
os pobres sr...
Cavalheiro 1
O senhor sabe
que é nessa época que a pobreza mais sofre...
Cavalheiro 2
Então, com
quanto o senhor vai contribuir?
Scrooge
Com nada!!
Cavalheiro 2
Suponho que o
sr. gostaria de contribuir anonimamente então...
Scrooge
Ora!! Não
cultivo festejos natalinos e não atenho meios para proporcionar festejos aos
indolentes. Eu contribuo para manter as instituições, e é a elas que as pessoas
que estão passando por muita necessidade devem recorrer.
Cavalheiro 1
Muitas delas
não têm como recorrer a essas instituições, muitas delas prefeririam morrer a
fazê-lo.
Scrooge
Se essa gente
preferiria morrer, é melhor que façam exatamente isso, diminuindo um pouco o
excedente populacional.
Cavalheiro 2
Mas, senhor...
Scrooge
Bem, eu
imagino que se derem dinheiro para os pobres, eles não serão mais pobres. E se
eles não forem mais pobres, vocês não terão mais que pedir dinheiro para eles.
Cavalheiro 2 (tenta interromper)
Não, mas...
Scrooge
E se não tiverem mais que pedir dinheiro para
eles, então vão perder o emprego. Por favor, cavalheiros, não me peçam para eu
tirar seus empregos numa véspera de Natal.
Cavalheiro 1
Ora, não lhe
pediríamos isso, Sr. Scrooge.
Scrooge
Então, eu
sugiro que vão andando.
(Scrooge olha para o relógio, desce da banqueta.
Hora de fechar. Ajudante sopra a vela e põe o chapéu)
Scrooge
Amanhã você
pretende tirar folga o dia inteiro, imagino.
Bob
Se não lhe
causar transtorno, senhor.
Scrooge
Causar
transtorno, causa, e além disso não é direito. Se eu fosse lhe descontar meia
coroa pela falta, o senhor iria achar que tinha sido explorado, aposto! (ajudante sorri sem vontade)
Só que o senhor não acha que eu sou explorado quando lhe pago seu salário por
um dia em que o senhor não trabalhou.
Bob
Mas isso é
apenas uma vez por ano.
Scrooge
Que desculpa
mais esfarrapada para assaltar o bolso de um vivente todo dia 25 de dezembro!
Mas eu imagino que não tenho como impedi-lo de folgar o dia inteiro amanhã.
Então esteja aqui depois de amanhã bem cedinho! (os dos saem. Música)
Narração
Scrooge come
seu jantar melancólico na melancólica taverna aonde ia todo dia, e, depois de
ler todos os jornais e distrair-se o resto da tarde com o livro-caixa, foi para
casa dormir. Morava no apartamento que um dia pertencera a seu defunto sócio.
(Música, mudança de cenário.
Casa de Scrooge)
(Scrooge em sua poltrona,
cena do aparecimento do espírito de Marley onde ele vai ser seguido pela sombra
de Marley)
Marley
Ebenezer Scrooooge!!!
Scrooge
O que você
quer de mim?
Marley
Muito!
Scrooge
Quem é você?
Marley
É Melhor você
perguntar quem eu era.
Scrooge
Quem era você
então?
Marley
Em vida eu
era seu sócio, Jacob Marley. Você não acredita em mim.
Scrooge
Não mesmo,
isso é impossível... você morreu há sete anos!
Marley
Que outra
prova você gostaria de ter de minha realidade, além da que lhe oferecem seus
sentidos?
Scrooge
Sei lá.
Marley
Por que você
duvida de seus sentidos?
Scrooge
Porque...
qualquer coisinha os afeta. Uma ligeira dor de barriga já interfere. Quem sabe
você não passe de um pedaço de carne mal digerido, um borrifo de mostarda, uma
migalha de queijo, um fragmento de batata mal cozida. Seja lá o que você for,
acho que tem mais de feijão do que de caixão.
Marley
Não me
reconhece, Scrooge, sou eu Jacob Marley.
Scrooge
Marley, é
você mesmo?
Marley
Ebenezer,
lembra-se, quando era vivo, roubava das viúvas e tapeava os pobres?
Scrooge
É, e tudo no
mesmo dia. Você tinha classe, Jacob.
Marley
É, eu tinha. (cai em si e muda o tom) Não,
não. Eu estava errado e agora sou forçado a carregar essas correntes pesadas.
Não posso repousar, não posso ficar aqui, não posso demorar-me em lugar nenhum.
Eu jamais fui além do escritório onde guardamos nosso livro-caixa.
Scrooge
Por que você
está acorrentado Marley?
Marley
Uso a
corrente que forjei na vida. Construí esta corrente elo a elo, metro a metro,
prendi à minha cintura, por livre e espontânea vontade, e por livre e
espontânea vontade passei a usá-la. Ela não está parecendo bem familiar a você?
A sete Natais sua própria corrente já era tão pesada e tão comprida quanto a
minha. De lá para cá, você continuou trabalhando nela.
Scrooge
Jacob! Velho
Jacob Marley, diga-me alguma coisa para me consolar!!
Marley
Ouça bem o
que lhe digo! Passei esses anos todos sem repouso, sem paz. Incessantemente
torturado pelo remorso. É nesta época do ano que mais sofro. Por que eu tive de
passar pelo mundo em meio a meus semelhantes sempre de olhos baixos, sem jamais
erguê-los para aquela Estrela abençoada que conduziu os Magos àquela pobre
estrebaria? Não havia lares pobres para onde Sua luz pudesse ter me conduzido?
Não esqueça o que estou lhe dizendo. Meu tempo está quase esgotado.
Scrooge
Não vou
esquecer. Mas não seja cruel comigo! Não fique dando voltas no assunto, Jacob,
eu lhe imploro.
Marley
Como é possível
que eu apareça diante de você sob uma forma visível? Essa é uma coisa que não
sei explicar. Quantas e quantas vezes sentei-me invisível às suas costas! Essa
parte de minha penitência não é das mais fáceis. Estou aqui esta noite para
avisá-lo de que você ainda tem uma possibilidade e uma esperança de não ficar
assim como eu.
Scrooge
Você sempre
foi um bom amigo para mim, obrigado.
Marley
Você será
visitado por três espíritos.
Scrooge
É essa a
possibilidade e esperança que você mencionou, Jacob?
Marley
É.
Scrooge
Mas... acho
que prefiro não tê-las.
Marley
Sem a visita
dos três espíritos, você não vai ter como evitar o caminho que estou
percorrendo. Aguarde o primeiro deles esta noite, quando o sino der uma hora.
Ouça, faça o que mandar. Senão suas correntes serão ainda mais pesadas. Adeus,
Ebenezer.
Scrooge
Espíritos!
Bobagem.
(Scrooge, com sua vela olha procurando alguma coisa
e depois senta-se na poltrona. Em seguida toca o sino e ocorre a mudança de
cenário)
Espírito
Bem eu acho
que já é hora.
Scrooge
Quem é você?
Espírito
Eu sou o
Espírito do Natal Passado. Venha Scrooge, já é hora de ir. Vamos visitar seu
passado.
(Música. Mudança de cenário. Aparece palco das
marionetes)
Espírito
Você está
lembrando do caminho?
Scrooge
Se estou
lembrando? Poderia ir até lá de olhos fechados. Deus do céu, foi aqui que eu me
criei. Aqui eu fui criança!
Espírito
Que estranho
ter esquecido durante tantos anos.
Scrooge
Olhe, é a
minha escola. Todos meus amigos estão indo para casa. É Natal.
Espírito
Mas a escola
não está totalmente vazia. Uma criança solitária, esquecida pelos amigos, ficou
por lá.
(Aparece a marionete da criança sozinha)
Scrooge
Sou eu...
coitado do menino. (Cena
das marionetes. Scrooge menino com sua irmã)
Irmã
Vim buscar
você, vamos para casa, querido irmãozinho! Para casa!!
Menino
Para casa,
pequena Fan?
Irmã
É. Para casa,
e para ficar. Para casa, para todo o sempre! Papai está tão mais amoroso do que
era antes, nossa casa está um paraíso. Uma bela noite, ele falou comigo com
tanto carinho que eu criei coragem de pedir mais uma vez que você voltasse para
casa, e ele disse que sim, que você podia, então vim buscá-lo. Vamos para casa.
Espírito
Sempre muito
delicada, essa menina! Qualquer ventinho poderia abatê-la! Mas que grande
coração o dela!
Scrooge
É verdade.
Você tem razão. Não posso contestá-lo, Espírito.
Espírito
Morreu já
adulta, depois de ter tido filhos, parece-me.
Scrooge
Uma filha.
Espírito
É verdade.
Sua sobrinha!
Scrooge
É. Agora
percebo como ela é parecida com sua mãe, a pequena e doce Fan. (Música de festa. Mudança de
cenário das marionetes. Entram um homem e uma mulher)
Scrooge
Espírito,
acho que conheço esse lugar. É a fábrica do Sr. Fezziwig! Ah, eu nunca mais trabalhei para um homem
tão bom. Olha lá, o velho Fezziwig em pessoa e todos os meus melhores amigos. (música)
Sr. Fezziwig
Hei, vocês
aí! Ebenezer! Dick! Olá! Olá, meus
rapazes! Chega de trabalho por hoje. Véspera de Natal, Dick. Natal, Ebenezer!
Vamos fechar o estabelecimento, vamos ligeirinho antes que eu conte até três.
Vamos lá, meus rapazes, preciso de muito espaço livre aqui dentro! (música animada, dança das
marionetes)
Narração
Durante esse
tempo todo, Scrooge se comportara como um homem que tivesse perdido a razão.
Seu coração e sua alma estavam lá, participando da cena, estavam com a pessoa
que ele havia sido. Scrooge lembrava-se de tudo, desfrutava de tudo, tomado por
uma agitação estranhíssima.
Espírito
Tão pouca
coisa para essa agente tola mostrar tanta felicidade.
Scrooge
Pouca coisa!
Espírito
Não é
verdade? Ele gastou umas poucas libras de seu dinheiro mortal, umas três ou
quatro, não mais. Será que é tanto assim, para merecer todos esses elogios?
Scrooge
Mas não é
isso. Não é isso Espírito. Ele tem o poder de nos tornar felizes ou infelizes.
De deixar nosso trabalho leve ou cansativo, um prazer ou um fardo. Digamos que
seu poder está todo em palavras, em coisas tão minúsculas e insignificantes que
seria impossível numerá-las, ou somá-las: E daí? A felicidade que ele
proporciona é tão grande que é como se valesse uma fortuna.
(Scrooge pára e olha para o espírito)
Espírito
Qual é o
problema?
Scrooge
Nada de
especial.
Espírito
Acho que
aconteceu alguma coisa.
Scrooge
Não. Nada. Eu
gostaria de dizer uma ou duas palavrinhas agora ao meu ajudante, só isso.
(Apaga luz)
Espírito
Venha
depressa, meu tempo está acabando.
(Luz nas marionetes)
Scrooge
Isabel. Ah, a
adorável Isabel. Eu me lembro de como estava apaixonado por ela.
Espírito
Mas, em dez
anos, aprendeu a amar outra coisa.
Isabel
Ebenezer.
Você ainda gosta de mim?
Scrooge marionete
Por que você
pergunta isso?
Isabel
Porque eu
acho que outro amor tomou meu lugar em sua vida.
Scrooge marionete
Mas que amor
é esse?
Isabel
Você não é
mais o mesmo, Ebenezer. Vi suas aspirações mais nobres caírem uma a uma, até
que sua principal paixão, o lucro, o ouro, tomou conta de você. Não é mesmo?
Scrooge marionete
E daí?
Admitindo que seja verdade, que adquiri toda essa sabedoria, qual o problema?
Não mudei em relação a você! Mudei?
Isabel
Nosso trato é
muito antigo. Foi celebrado quando os dois éramos pobres e não nos
incomodávamos com isso. Você mudou. Na época em que fizemos nosso trato, você
era outro homem.
Scrooge marionete
Era uma
criança (impaciente)
Isabel
Seus próprios
sentimentos lhe dizem que você não era o que é hoje. Hoje, parece que jamais
houve nada entre nós.
(Scrooge desce da escada e fala à marionete)
Scrooge
Fale alguma
coisa. Não deixe ela ir embora assim.
Isabel
Desejo-lhe
felicidade na vida que escolheu! Adeus, Ebenezer.
Scrooge
Espírito,
diga-me, o que aconteceu depois com Isabel.
Espírito
Alguns anos
depois Isabel se casou e teve muitos filhos. Você amava seu ouro mais do que
aquela preciosa moça e a perdeu para sempre.
Scrooge
Chega! Chega.
Não me mostre mais nada. Por que você tem o prazer em me torturar?
Espírito
Lembre-se,
Scrooge, quem traçou seu caminho foi você.
(Música de mudança de cenário. Scrooge volta para
sua poltrona e acorda assustado. Toca novamente o sino e aparece o segundo
espírito)
Espírito
Venha. Venha
cá e me conheça melhor. Sou o Espírito do Natal Presente. Nunca antes você viu
alguém como eu?
Scrooge
Nunca.
Espírito, leve-me para onde quiser. Ontem à noite fui obrigado a dar um passeio
e aprendi uma lição que já estou usando agora. Essa noite, se tiver algo para
me ensinar, permita que eu me beneficie disso.
Espírito
Venha comigo,
então.
(Mudança de cenário. Aparecem as marionetes
novamente com outro cenário)
Scrooge
Por que me
trouxe à essa velha cabana?
Espírito
Essa é a casa
do seu empregado, explorado e mal pago, Bob Cratchit. Esta é a Sra. Cratchit,
mulher de Bob Cratchit. Ela está pondo a mesa, ajudada por Belinda Cratchit,
sua segunda filha. Enquanto o jovem Peter Cratchit enfia um garfo na panela de
batatas. Também lá estão mais dois exemplares menores da família Cratchit, um
menino e uma menina.
(marionetes)
Sra. Cratchit
Onde andará o
querido papai de vocês? E o irmão de vocês, o Magrinho Tim?
(neste instante entra Bob Cratchit)
Bob marionete
Ah, que
ótimo! Já está tudo servido. Vamos aguardar um pouquinho que o Tim já está
vindo.
Sra. Cratchit
E o pequeno
Tim, como se comportou na igreja?
Bob marionete
Uma
verdadeira jóia, perfeito. Não sei como, mas de tanto ficar sentado sozinho ele
tem idéias e pensa as coisas mais estranhas que se possam imaginar. Quando nós
vínhamos para casa, ele me disse que esperava que as pessoas o tivessem visto
lá na igreja, porque já que ele era aleijado, talvez fosse bom elas se
lembrarem, no dia de Natal, daquele que fazia os paralíticos andarem e os cegos
tornarem a ver.
Scrooge
Mas o menino
usa muletas? O que há de errado com ele?
Espírito
O menino é
aleijado.
Scrooge
Mas, o Sr.
Cratchit nunca me falou nada a respeito disso.
Espírito
Você alguma
vez se interessou pela vida do Sr. Cratchit?
Scrooge
Veja, quantos
filhos. O que eles têm para o jantar não dá para nada. São apenas algumas
migalhas.
(marionetes)
Bob
Venha, Tim.
Vamos comer. Feliz Natal para nós todos, meus queridos! Que Deus nos abençoe!
Tim
Nossa. Quanta
coisa boa. Vamos pedir as bênçãos também ao Sr. Scrooge.
Scrooge
Diga-me
Espírito, o que vai acontecer ao pequeno Tim?
Espírito
Muita coisa.
Infelizmente, se essa situação não mudar, eu vejo uma cadeira vazia onde o
pequeno Tim se senta.
Scrooge
Então, isso
quer dizer que Tim vai...
Espírito
Morrer.
Scrooge
Ah, não,
bondoso Espírito, diga que ele será poupado.
Espírito
Se essa
situação permanecer inalterada no futuro, não encontraremos o pequeno Tim nos
próximos Natais. E daí? Se ele tem que morrer, que morra logo e diminua o
excedente populacional.
(Scrooge baixa a cabeça. Luzes apagam. Música)
Scrooge
Onde eles
foram? Espírito, não se vá, tem que me falar sobre o Tim. Não se vá. (Toca o sino novamente.
Aparece o terceiro espírito)
Scrooge
Você é o
Espírito do Natal que virá?
(Espírito não fala nada, mas aponta para frente)
Scrooge
Você irá
mostrar-me sombras de coisas que não aconteceram mas que ainda irão acontecer,
em tempos que virão. Não é isso Espírito?
(Espírito balança a cabeça afirmativamente)
Scrooge
Então,
diga-me. O que acontecerá ao pequeno Tim?
(Espírito aponta para Bob com a muleta nas mãos,
chorando)
Scrooge
Não, eu não
queria que isso acontecesse. Diga-me que tudo isso pode ser mudado.
(Cena de
pessoas no escuro falando em confusão)
Pessoa 1
Não, também
não sei muita coisa a respeito, nem num sentido nem noutro. Só sei que ele
morreu.
Pessoa 2
Ele morreu
quando?
Pessoa 3
Ontem à
noite, parece.
Pessoa 2
Do que? O que
ele tinha? Achei que ele nunca fosse morrer.
Pessoa 1
Só Deus sabe
Pessoa 2
E o que ele
fez com o dinheiro?
Pessoa 3
Sei lá.
Imagino que tenha deixado para sua firma. Para mim é que não deixou.
(risos)
Pessoa 3
Imaginem que
o enterro seja de quinta categoria, porque juro que não conheço ninguém que
pretenda comparecer.
Pessoa 2
Que tal se
organizarmos um grupinho de voluntários?
Pessoa 1
Se servirem
almoço, concordo. Se quiserem que eu vá, dêem-me comida.
(risos)
Narrador
No início
Scrooge ficou tentado a estranhar o fato de que o Espírito atribuísse tanta
importância a conversas aparentemente tão triviais. Convencido, porém, de que
elas teriam objetivo oculto, resolveu fazer força para descobrir esse objetivo.
Era muito pouco provável que dissessem respeito à morte de Jacob, seu antigo
sócio, pois o fato acontecera no passado e esse Espírito deveria lhe mostrar o
Futuro. Quem, em seu círculo mais próximo poderia estar sendo mencionado?
Narrador
Ficou onde
estava e olhou ao redor em busca da própria imagem, só que em sua esquina
costumeira havia outro homem, e embora o relógio marcasse a hora em que
habitualmente ele se encontrava ali, não viu nada que se parecesse com ele entre
as inúmeras pessoas que iam entrando pelo pórtico.
Narrador
O fato,
contudo, não o surpreendeu tanto assim. Afinal, estava planejando mudar de vida
e imaginou, esperançoso, que significasse que suas resoluções recentes haviam
sido postas em prática.
(Cena nas sombras de duas pessoas falando)
Moça
Boas ou más?
Rapaz
Más.
Moça
Estamos
completamente arruinados?
Rapaz
Não. Ainda
temos uma esperança, Caroline.
Moça
Se ele se
compadeceu temos uma esperança! Se um milagre desses acontecesse, nem tudo
estaria perdido.
Rapaz
Ele já não
tem como compadecer-se, porque morreu.
Moça
Ah, que
alívio! (Arrependida,
querendo retirar o que havia dito) Não, não era isso que queria
dizer.
Rapaz
Acalme-se!
Entendo você, Caroline.
Moça
E para quem
será transferida nossa dívida?
Rapaz
Não sei. Mas
até ficarmos sabendo, já teremos o dinheiro. E mesmo que não tivéssemos, seria
muito azar o herdeiro ser tão impiedoso quanto ele. Esta noite podemos dormir
tranqüilos, Caroline!
Scrooge
De quem eles
estão falando, Espírito? Quem morreu?
Scrooge
Não,
Espírito! Oh, não, não! Quer dizer que sou eu? Espírito, ouça-me! Já não sou o
mesmo homem. Não serei o homem que teria sido se não houvesse passado por essa
experiência. Por que mostrar-me isso, se não há esperança para mim Espírito?
Tem piedade de mim. Prometa-me que, se eu modificar minha vida, ainda poderei
mudar essas sombras.
(Apaga a luz. Mudança de cenário. Música)
Scrooge
Estou de
volta ao meu quarto. Que dia é hoje? (Olha à sua volta e encontra o gaiteiro)
Ei, rapaz, que dia é hoje?
Gaiteiro
Como?
Scrooge
É, que dia é
hoje, meu rapaz?
Gaiteiro
Hoje? Ora,
hoje é dia de Natal.
Scrooge
Hoje é dia de
Natal! Não perdi o Natal.
(Scrooge se arruma e sai. Encontra os dois
cavalheiros)
Scrooge
Meu caro
senhor, como está passando? Espero que ontem o senhor tenha conseguido o que
queria. Foi muita gentileza sua. Feliz Natal para o senhor.
Cavalheiro 1
Sr. Scrooge
Scrooge
É. Meu nome é
esse mesmo, e temo que não seja muito agradável aos seus ouvidos. Permita-me
que lhe peça perdão. E será que o senhor teria a bondade... (Cochicha no ouvido do
cavalheiro)
Cavalheiro 1
Santo Deus!
Meu caro Sr. Scrooge, o senhor está falando sério?
Scrooge
Peço-lhe
encarecidamente! Nenhum penny a menos. Estou com muitas prestações atrasadas,
deixe-me acertar o que devo. Será que o senhor poderia fazer-me esse favor?
Cavalheiro 2
Estimado
cavalheiro não sei o que dizer de tanta generosidade...
Scrooge
Por favor,
não diga nada. Passe em meu escritório. O senhor promete que vai passar?
Cavalheiro 2
Claro, claro
que sim.
Scrooge
Obrigado!
Agradeço imensamente, e que Deus o abençoe.
(Cavalheiros saem e entra sobrinha)
Sobrinha
Feliz Na...
desculpe tio.
Scrooge
Não precisa
se desculpar, minha pequena. Feliz Natal para você também.
Sobrinha
O quê?
Scrooge
Pensei melhor
e acho que, se você ainda quiser, vou aceitar o seu convite para jantar essa
noite.
Sobrinha
Se ainda eu
quiser? É claro, tio. Será um prazer para nós recebê-lo lá em casa.
(Scrooge e sobrinha vão saindo)
Scrooge
Nossa! Eu
havia esquecido de como você se parece com sua mãe.
(Entram narradores)
Narrador
Na manhã
seguinte, Scrooge chegou mais cedo no escritório. Ah, chegou bem cedinho. Será
que ia conseguir chegar primeiro e flagrar Bob Cratchit atrasado?
Era
exatamente isso que ele estava pretendendo fazer.
Narrador
E conseguiu.
Ah, conseguiu! O relógio deu nove horas. Nada de Bob. Nove e quinze. Nada de
Bob. Bob chegou exatamente dezoito minutos e meio atrasado.
Narrador
Scrooge
estava instalado em sua escrivaninha, de porta bem aberta, para não perder o
momento em que ele entrasse no cubículo.
Narrador
Quando Bob
abriu a porta, já vinha sem chapéu, também já havia tirado o cachecol. Num
piscar de olhos, estava empoleirado em sua banqueta, de pena em punho, fazendo
anotações a toda velocidade, como se tivesse a intenção de correr atrás das
nove horas e alcançá-las.
Scrooge
Ei, você!
Você está achando que pode chegar a essa hora, assim, sem mais nem menos?
Bob
Sinto muito,
senhor! Estou mesmo atrasado, eu sei.
Scrooge
Ah, está atrasado? Está
mesmo. Tenho a impressão de que está. Chegue aqui, por favor.
Bob
É só uma vez
no ano, senhor! Não vai acontecer de novo.
Scrooge
Pois ouça bem
o que vou lhe dizer, meu amigo! Não estou disposto a continuar engolindo esse
tipo de coisa. Por isso, fique sabendo que vou aumentar seu salário! Feliz
Natal, Bob! Meu bom rapaz, desejo-lhe um Natal mais feliz do que os que tenho
lhe proporcionado nesses muitos anos! Vou aumentar seu salário e fazer o
possível para ajudar sua família necessitada.
(Scrooge e Bob continuam conversando enquanto entram
os narradores e começam a tirar a roupa do narrador)
Narrador 1
Scrooge saiu
melhor do que a encomenda. Fez tudo o que tinha prometido e muito mais,
infinitamente mais.
Narrador 2
E para o
Pequeno Tim, que não morreu, foi um segundo pai. Transformou-se num dos
melhores amigos, dos melhores patrões...
Narrador 3
Dos melhores
homens que a boa e velha cidade, ou qualquer outra boa velha cidade, vila ou
aldeia já tivesse visto neste bom velho mundo.
Narrador 4
Algumas
pessoas achavam graça na modificação por que ele havia passado, mas ele não se
importou minimamente, deixou que rissem.
Narrador 5
Pois era
sábio que chegue para ter conhecimento de que nada jamais aconteceu de bom
neste planeta sem que no começo aparecesse alguém para dar risada.
Narrador 6
E sabendo
perfeitamente que esse tipo de gente não atem mesmo capacidade de
discernimento, achou que era uma boa coisa elas criarem rugas em torno dos
olhos de tanto rir.
Narrador 7
E não em
decorrência de outros motivos menos atraentes. Seu próprio coração também
estava rindo, e para ele, não precisava mais nada.
Scrooge
E a seu
respeito sempre se afirmou que, caso se pudesse dizer que algum homem vivo
detinha a capacidade de festejar o Natal, esse homem era Scrooge. E queira Deus
que essa verdade possa ser afirmada a respeito de todos nós em geral, e cada um
em particular!
FIM
Trilha sonora adaptada do
filme “Grinch”
Figurinos do século 18
(roupa dos espíritos é bem colorida)
As cenas do passado, do
presente e do futuro, que são mostradas pelos espíritos são feitas com bonecos.
Encenada
no Teatro da FEP em 01/02/dez/2001.
Nota 2: O manuscrito da obra foi exibido em NY, em 2010.
1 comentários:
Clap! Clap! Clap!
Valeu, sôra... uma rosa pra você. E um beijo.
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